Conceito, efeitos e curiosidades
Decreto 6, de 20 de março de 2020, que “Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.”
Estado de calamidade pública
Com a promulgação do Decreto 6/2020, muito se falou sobre o reconhecimento do estado de calamidade pública e suas consequências.
Todavia, uma pergunta fica, tecnicamente, sem resposta:
O que é, de fato, o estado de calamidade Pública?
É de se notar que a norma contida no art. 65 da Lei Complementar 101/2000 não traz a definição expressa de calamidade pública, determinando apenas que a sua ocorrência seja reconhecida pelo congresso nacional (no caso da União) ou pelas Assembleias Legislativas (no caso dos estados e municípios).
Art. 65. Na ocorrência de calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional, no caso da União, ou pelas Assembléias Legislativas, na hipótese dos Estados e Municípios, enquanto perdurar a situação:
I – serão suspensas a contagem dos prazos e as disposições estabelecidas nos arts. 23 , 31 e 70;
II – serão dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho prevista no art. 9o.
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput no caso de estado de defesa ou de sítio, decretado na forma da Constituição.¹
Esse conceito, então, deve ser extraído de outras fontes, notadamente da doutrina e/ou jurisprudência.
“Segundo De Plácido e Silva, é todo evento infeliz que venha a admoestar a vida normal de uma cidade, devendo as autoridades prestarem o devido socorro público:
‘Vários fatores podem motivar a calamidade: a guerra, as inundações, os terremotos, as epidemias, as secas prolongadas, enfim, qualquer outro flagelo, que se mostre ruinoso ou prejudicial à coletividade, exigindo enérgicas e imediatas medidas de proteção, para que as populações por eles atingidos não venham a perecer ou não fiquem em doloroso desamparo’.
(…)
E o Tribunal de Contas da União, pelo Aviso n. 1.028, de 17 de julho de 1947, adotou como definição para o tema as palavras de Amaro Cavalcanti:
‘Como calamidade pública, só pode ser considerada, em tese, além das secas prolongadas e devastadoras, dos grandes incêndios e inundações e de outros flagelos semelhantes, a invasão súbita do território de um Estado por moléstia contagiosa ou pestilencial, suscetível de grande extensão epidêmica e disseminação rápida e de alta letalidade…’”²
Como se vê, a situação advinda da COVID-19 se amolda perfeitamente aos conceitos existentes, inclusive em razão do reconhecimento, pela OMS, do status de “Pandemia Mundial”.
Tal reconhecimento, que independe do número exato de casos, mas, sim, da ramificação da doença pelo planeta (grande número de casos espalhados), serve de alerta para que as nações ajam e tomem as cautelas necessárias para evitar a disseminação da doença.
Diante da gravidade do quadro, consequência natural, portanto, é o reconhecimento do estado de calamidade pública.
Efeitos práticos
O reconhecimento do estado de calamidade tem como objetivo principal a flexibilização das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar 101/2000).
Os efeitos diretos são a suspensão da contagem dos prazos e de algumas disposições estabelecidas na LRF, notadamente nos arts. 23 (apuração das despesas com pessoal), 31 (apuração da dívida consolidada) e 70 (prazo exaurido, não existe mais). Do mesmo modo, são dispensados o atingimento dos resultados fiscais e a limitação de empenho.
O objetivo principal é permitir que não se atinja as metas fiscais e, assim, se libere recursos.
As metas fiscais são valores projetados para o exercício financeiro e que, depois de aprovados pelo Poder Legislativo, servem de parâmetro para a elaboração e a execução do orçamento.
Em outras palavras, o estado de calamidade pública autorizou o governo a gastar mais do que arrecada e recorrer ao maior endividamento, considerando a dramática situação vivida pelo país.
Curiosidades
Utilização de estoques públicos
A Lei Federal nº 9.077/95 autoriza “o poder público a doar estoques públicos de alimentos, in natura ou após beneficiamento, diretamente às populações carentes, objetivando o combate à fome e à miséria, bem como às populações atingidas por desastres, quando caracterizadas situações de emergência ou estado de calamidade pública, mediante proposta conjunta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, do Ministério da Integração Nacional e da Casa Civil da Presidência da República.” (art. 1º).
O empréstimo compulsório:
O empréstimo compulsório é espécie tributária prevista na Constituição Federal, notadamente no artigo 148, o qual autoriza a união, mediante lei complementar, a instituir empréstimo compulsório, seja para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; seja para custear investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado neste caso o disposto no art. 150, III, “b”. Em ambos os casos a aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que fundamentou sua instituição.
A grande diferença entre uma hipótese e outra, claro, além das situações ensejadoras, é a observância ou não da anterioridade tributária (genérica ou especial). Pela anterioridade, os tributos somente podem ser cobrados no próximo exercício financeiro (anterioridade de exercício, comum ou genérica) e após o prazo de 90 (noventa) dias da publicação da lei (anterioridade nonagesimal, noventena ou mitigada).
A primeira hipótese para se instituir o empréstimo compulsório (atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência), que interessa no caso, pelas suas próprias características de urgência e por previsão expressa do art. 150, § 1º, da CF/88, não se sujeita à anterioridade tributária.
Assim, o empréstimo compulsório, no caso acima colocado, poderá, tão logo instituído através de Lei Complementar, ser utilizado como instrumento de geração de receita para atendimento da despesa extraordinária. Em outras palavras, com a edição da Lei Complementar, poderá o empréstimo compulsório ser efetivamente cobrado, sem observância à anterioridade.
Tramitação no congresso
O Presidente da República solicitou ao Congresso Nacional, em 18 de março de 2020, por intermédio da Mensagem n° 93, de 2020 “[ … ] o reconhecimento de estado de calamidade pública com efeitos até de 31 de dezembro de 2020, em decorrência da pandemia da COVID-19 declarada pela Organização Mundial da Saúde, com as consequentes dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2° da Lei n° 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9° da Lei de Responsabilidade Fiscal {LRF}.”
No mesmo dia, o Plenário da Câmara dos Deputados aprovou, em discussão em turno único, decorrente de acordo dos líderes em favor da inclusão extrapauta, os pareceres em Plenário proferidos pelo Relator Deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) das Comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. O primeiro parecer concluiu “[ … ] pela não implicação da matéria em aumento ou diminuição da receita ou da despesa públicas, não cabendo pronunciamento quanto à adequação financeira e orçamentária; e, no mérito, pela aprovação desta Mensagem, na forma do Projeto de Decreto Legislativo apresentado”, enquanto o segundo, foi “[ … ] pela constitucionalidade, juridicidade e técnica legislativa”.
A redação final foi votada e aprovada e a matéria seguiu para o Senado Federal.
No senado, aprovado o projeto, com o seguinte resultado: Sim 75, Presidente 1, Total 76. (Votação nominal realizada por chamada dos Senadores).
Link: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/141114
1- Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm
2 – Comentários à Lei de responsabilidade fiscal / organizadores Ives Gandra da Silva Martins, Carlos Valder do Nascimento ; adendo especial Damásio de Jesus. — 6 . ed. — São Paulo: Saraiva, 2012
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